Quadros de "transformação" estética em programas de auditório são perversos. Servem apenas às empresas que se associam a eles para promoverem produtos de alisamento e tintura capilar, roupas, cirurgias plásticas etc.
Não conheço tantos desses quadros, contudo, dos que eu vi, o de Netinho di Paula, chamado Dia de Princesa, no SBT, é o pior! O próprio nome do quadro remete aos contos de fada que o mundo ocidental, com exceção da Disney, fascista e ultrapassada, tem se esforçado para superar.
Netinho escolhe moças paupérrimas, com dramas familiares e pessoais gravíssimos e as submete a um dia de princesa. Bom, em que este seu quadro se diferencia dos demais?
- Netinho, como negro, estimula alisamento de cabelo e repete o preceito estético embranquecedor da cultura brasileira;
- Todo o texto do quadro tem teor político implícito, obviamente, direitola e retrógrado. Baseando-se nos dramas das moças, ele critica programas sociais e engrandece a política paulista, atualmente comandada por políticos de direita;
- Netinho é efeminado. A todo o momento, sua simpatia afetada manipula a libido das jovens. Seu sorriso largo e fingido expressa toda a locupletação e interesse escuso que sua figura esconde.
As moças entram numa jornada de compras em lojas baratas (não que devessem ir à Daslu, mas esta opção já significa uma delimitação de "lugar" de classe e o discurso implícito é "fique aí"); têm seus sonhos de consumo realizados (a de hoje, uma moça cega, inscreveu-se numa escola de dança famosa, teve as dívidas pagas e ganhou baile de aniversário completo); alisam o cabelo com Embeleze; têm suas pobres vidas devassadas e arranjam emprego. Tudo embalado por música instrumental emotiva.
Quem ganha com isso? Apenas o apresentador e as empresas envolvidas. O telespectador aprende a amá-los e a consumi-los. No caso de Netinho, corre-se o risco inerente de, com este espaço televisivo, assistirmos à realização de suas pretensões político-eleitorais.
Tempos atrás, assisti a um episódio, com uma moça que vivia num barraco, não recebia o Bolsa Família e queria ser juíza. Netinho a inscreveu numa universidade e lhe arranjou emprego como caixa de supermercado. O pai, alcoolista, ouviu absurdos do apresentador e a exposição da família foi composta de um extremo retrato de piedade inglória e do preconceito recialista à brasileira. Ao final, ganharam uma casa de alvenaria, com chuveiro e sofá, para não terem mais que viver em um barraco condenado pela defesa civil de São Paulo.
A crueldade do espetáculo de Netinho não é, por fim, distinto dos seus concorrentes. Contudo, em seu "Dia de Princesa", não há resquício de felicidade ou esperança - resulta em nos sentirmos penalizados e apenas consolados pelo fato de uma moça pobre haver realizado seu "sonho", sem garantia de continuidade. Entretanto, sonho é uma palavra que morre na boca destes apresentadores oportunistas. Sonhos perecíveis, desgastados, enganadores. Sei que a vida destas moças voltará a ser igual a antes e a lição que lhes restará será apenas uma: sou incompetente para viver. Preciso do Netinho.
Triste, muito triste. Ecos de um Brasil cuja miséria é passaporte para cargos eltivos. Algo a se acabar, definitivamente.
Nos créditos finais, uma revelação: a direção do programa de Netinho é de Marlene Mattos. Enquanto os letreiros passavam, a moça cega dançava funk com a avó e a irmã, a sua mãe deprimida estática entre elas, seu pai passivo olhava para netinho com desejo e, no finalzinho do seu programa, fica-me claro o seguinte: Netinho conseguiu, ele embranqueceu em cirurgias simbólicas, realizou o sonho de ser "como" Xuxa pelas mãos de Marlene. Vem tendo direito ao seus anos de princesa.
Com valores pequeno-burgueses, trejeitos homoeróticos rebatizados de simpatia e empatia forçada, oportunista e cruel, seu programa de TV é um empreendimento tipicamente paulista, que se aproveita da miséria para culpabilizar adversários políticos e, eximindo-se de qalquer co-responsabilidade, colher louros e ouros deste estado de coisas.
Netinho é uma figura pública que deveria ser banida da cultura brasileira, para o bem do movimento negro e do avanço político do país.
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