segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Jornalismo como drama

Um quadro do CQC, com Danilo Gentili, que tenta fazer Dilma sorrir.

Antes, o repórter logo mostra nunca ter ido a um encontro de partido. Aborda políticos equivocados, populares "petistas" e "socialistas", que não conhecem CQC mas já desconfiam da Bandeirantes como direitola, além de Eduardo Suplicy, Mercadante e, claro, Dilma.





Outro quadro do CQC, com Rafael Cortez, no lançamento do filme sobre Lula, a fim de "chegar" em D. Marisa.

Este explora o tema do uso eleitoral da película, brinca sem ofender com os atores e, entre os políticos, se torna objeto da picardia e chega a entrar em vexame com Berzoíni.




Uma boa maneira de comprovarmos o caráter dramatúrgico do jornalismo que assistimos hoje é ver este programa, que altera a prática jornalística dotando-a de humor piadesco. Cada repórter do CQC é, antes, um ator. Não é a toa que muitos deles procuram reverberar suas famas em palcos pelo país, com peças de "stand up comedy".

A equipe de apresentadores do CQC tem um lider, que a cada dia me parece mais perdido entre as obrigações contratuais com a emissora e com seus patrocinadores e as intenções ideológicas que lhe são tão peculiares. Mesmo na convenção moderna, pós-guerra, subsiste a mentalidade à direita. Quando criticam as bandeiras da esquerda ou instigam "vamos ver se ela (Dilma) sabe agitar o povo... que nem um político?" acabam por apenas esclarecer o público sobre suas tendências ideológicas.

No confronto de Gentili com os partidários, ficou-me a ordem da mulher (eles omitem os nomes de quem eles não consideram relevante, deve ser), quando ela disse: "Fique tranquilo!" Pensei que ele foi corajoso ao publicar o momento em que uma mulher do povo, de fala simples, lhe tirou a palavra. Quando ele tenta teimar com o petista sobre a origem politica de Dilma, se do PDT ou do PT, ele somente parece pernicioso e tosco. O interlocutor foi bem mais digno.

Cortez é simpático e mais interessante, a meu ver. Porque ele é engraçado e se expõe sem medo (a bronca de Juliana Baroni de que ele "não liga" foram surpreendentes e divertidas). Daí ele não ficar tão evidenciado com a linha editorial do programa. Ele correu para tentar "chegar em D. Marisa" e ao "chegar nela" o que se viu: uma mulher muito simples, que reconhece seu lugar de brasileira branca e pobre, 'como pode, branca?' - parece-se perguntar o cortez, enquanto a parabeniza e a beija, - por que branca?

Foi engraçado o respeito do repórter por alguém tão caricaturável. D. Marisa, uma dona de casa prendada e carinhosa, primeira-dama, a esposa de Lula. De duas, uma: ao Cortez do CQC, ela é vencedora por ser branca ou por ser mulher de Lula. Qualquer dentre estas hipóteses confirma sua profunda predileção pelo presidente petista.

Outro ponto a favor de Cortez é a manutenção da fala de Berzoini, sobre serem mal geridos os recursos da Band. Cortez fica pequenino no evento, sem perder a graça. Gentili somente parece deixar um cheiro horroroso de pum no ar.

De volta ao estúdio, o líder e seus meninos, que o ladeiam, riem de suas piadinhas rasas, bobas, tristes, porque rancorosas. CQC optou cedo demais pela facção direitola, agora vêem seus talentos individuais se agregarem à idéia atrasada de quem segue a história real, a das massas insípidas, apenas pelas janelas de seus carros ou pelas câmeras dos colegas jornalistas, porém jamais pelo traço engraçado de um artista verdadeiramente humorado.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O drama como documento

Eu descobri por que a mídia direitola tem tanto medo do filme sobre Lula: ela conhece bem o valor de um drama.

Quando comunicados como ficção, os dados, verídicos ou imaginados, passam a plainar sobre as emoções e toda reação a eles passa a ser imediata e marcante.
Há que se estabelecer um trauma porterior no indivíduo em relação à realidade daquela informação, para que ele se desvencilhe de uma certeza a que foi convencido pela comunicação dramática. Isto é, para se descaracterizar a conclusão de um drama, há que contradize-lo veementemente, como ocorre, por exemplo, com o decurso do tempo e os filmes de ficção científica ou com a História, frente ao jornalismo mentiroso ou especulativo.

A despeito das variações da notícia em relação ao fato retratado, próprias da parcialidade intrínseca às criações humanas, não se pode presumir que o jornalismo deva ultrapassar o fato. A mídia direitola tem testado os limites da invenção ficcional aplicada à História e portanto treme nas bases quando vê surgir um filme sobre o Lula com caráter documental. O que nenhuma novelas tem conseguido mostrar, o filme sobre Lula o fará desde a primeira cena.

Era este um dos males que as elites outrora hegemônicas temiam em relação a si mesmas: o contraste do público com as suas origens. Ao expor sua versão de Brasil, Lula desmascara o granfino rico, branco, letrado, frio oportunista, que lhe surgia sazonalmente em busca de votos, a inaugurar bicas, ou a distribuir promessas.
E ainda relativiza, no campo das representações, o poder da televisão face a outros meios e veículos de comunicação, especialmente o cinema.

Assim, na contramão do jornalismo imaginado, a tecnologia revela à realidade um herói vivo pela ficção e, com este herói, esse filme plantará um Mito na História - e vice versa - e os deixará bastante poderosos. Sendo assim, o filme sobre Lula fará definhar de vez um certo jornalismo, que se apoderou dos meios de comunicação brasileiros há pelo menos quatro décadas.

Poucos filmes funcionarão tão bem como discursos políticos, como nunca eu havia visto reportagens tão cinicamente ficcionais, como as que acabaram por se tornar comuns no Brasil. Não admito essa forma de expressão de verdades. Os Barreto experimentam uma certa forma de fazer cinema de massa no Brasil, por isso penso que a escolha do tema por eles se deu isenta de outras motivações que não comerciais.
Há que se conferir o resultado, para se saber se a história estará bem contada. Porque a extraordinariedade de um drama bem construído e emocionante é somente passível de nascer, ou da imaginação de um profícuo artista, ou de vidas sensasionalmente vividas.

domingo, 8 de novembro de 2009

Abaixo o "Povo brasileiro"

O que me traz a escrever neste momento são os escalabrosos episódios, um envolvendo a Geisy, aluna da Uniban de São Bernardo do Campo, e outro, referente ao lançamento do livro "Honoráveis Bandidos", do jornalista Palmério Dória, em São Luis, no Maranhão.

Usarei minhas análises para repensar idéias sobre categorias como "povo" e "brasileiro". Como verá, baiseio-me em dados extraídos do mais prosaico e abnegado empirismo. Em primeira pessoa, claro.

Considerandos:

1. Tais acontecimentos são locais e exigiriam uma vivência mais próxima a estas realidades para sua compreensão. Reporto-me ao que se vê nos vídeos, portanto, presumo não saber quem foi aquela mulher que entrou gritando no lançamento do livro sobre o Sarney, mesmo tendo deixado sua bolsa com documentos durante a fuga, nem aquele rapaz que usou o celular para gravar a humilhação de Geisy, enquanto a chamava de Puta;

2. Não vou isolar ou proteger nenhum dos que atuam nos vídeos. Nem os que lançavam o livro, nem Geisy. O fato de eles viverem nestas comunidades, de estarem envolvidos nesse tipo de reação, mesmo que como parte contrária, mostra e prova que as situações são relativas tanto a uns quanto a outros. Todo mundo ali é, durante a confusão, "nós" e "eles", inclusive Geisy, mesmo que em bem menor medida.
Isso não quer dizer que eu não considere o livro legítimo e oportuno, nem o direito da moça de se vestir como bem o queira;

3. Acrescento o terceiro vídeo, como preâmbulo à situação envolvendo Geisy. Sim, acredito que o primeiro forma a coletividade que atua contra a segunda aluna, em retaliação ao seu vestido rosa.

Vamos aos vídeos:



São Luis, Maranhão, 04 Novembro 2009:







São Bernardo do Campo, São Paulo, 02 abril 2009:




22 Outubro 2009:



Todos estes vídeos contam histórias de expulsões violentas. Sem ainda dar razão a uma parte ou outra, imagine se alguém tivesse gravemente se ferido no incidente do Maranhão, ou se a primeira estudante da Uniban fosse efetivamente massacrada? E se a sala onde Geisy se isolou tivesse sido invadida pelos insurgentes?

Repare como a intenção de machucar cegou os envolvidos frente aos resultados prováveis de uma ação como esta, protegidos que estavam sob o manto da coletividade e do consenso. Há sempre uma causa justificável para os que as defendem. Por elas, ocorrem os choques de interesses antagônicos. Resta descobrirmos como demonstrar e convencer as pessoas das causas que, mesmo justificáveis, são injustas - no caso Geisy.

Certo que, no Maranhão, quem primeiro lança uma primeira cadeira em direção à mesa foi um dos que invadiram o local, representantes de Sarney. Contudo lançar cadeiras em resposta, mirando-as ao local onde provavelmente estavam o grupo invasor, foi de uma inconscequência perigosíssima. Os que passaram a lançar as cadeiras não se lembraram de que a grande maioria da sala compunha-se de partidários do lançamento, e até de crianças - vê-se pelo menos duas delas sendo retiradas, no segundo vídeo.

Vale porém reparar que as agressões dos que lançavam o livro, em resposta à primeira, dirigiam-se à mulher de verde, quando ela tentava fugir e se viu alvejada por cadeiras. Quando uma destas vai lhe atingir, repare, uma outra mulher do seu grupo lança-se sobre ela, solidariamente (0:36, do primeiro vídeo). Estavam acometidas de um mesmo bem ou de um mesmo mal?

Neste primeiro vídeo, interessante quando começam a gritar "Fora Sarney!" e momentos depois a sala está repleta novamente. Indícios de que "controlaram" a situação e que toda a confusão foi um diálogo genuino entre "pessoas" com mentalidades e condutas semelhantes. Resta saber como são esses indivíduos.

Na Uniban de São Bernardo, as duas situações ajudam a formar o caráter desta coletividade arredia. Na primeira, eles expulsam uma moça que rejeitou a participação num certo movimento estudantil que ocorreu em abril. Há uma estudante atropelada, retirada por paramédicos do local, no terceiro vídeo. No que pese o atropelamento, a moça que saia do campus é perseguida e quase espancada. Reveladores são os pedidos do jovem para que o colega que filmava a cena não revelasse os rostos dos que batiam na mulher.

Em outubro, cerca de 700 destes estudantes improvisadamente organizam-se, desta vez para humilhar e retirar uma moça do seu convívio, a nossa Geisy, porque ela usava um vestido mais ousado e demonstrava sua alegria em estar namorando um homem que a enebriava, ou algo assim.

O que eu observei, conclui ou questionei:

1. Estes dois fatos isolados expressam a face da degradação passível de ocorrer na sociedade brasileira. Ranços morais de um passado já há muito distante, porém sempre presente. Caetano e FHC ofendendo Lula, estudantes da Uniban e selvageria entre favoráveis e contrários a Sarney, no Maranhão, derrubam o mito da separação epistemológica entre um eu/nós e um outro, contrários entre si.
De onde menos se espera, ressurgem o preconceito, o desrespeito, o assédio, a brutalidade e o desprezo. Se está nele este desespero, estará em nós também, na "outra margem do rio". A moral nos junta, não nos separa;

2. Estas manifestações locais representam em que medida um traço de nossa identidade, digamos, nacional? Vejo como tais conceitos são complicados de usar, se não quisermos cair nas dicotomias limitantes e equivocadamente funcionais, para a compreensão dos fenômenos sociais. Os eles e eus envolvidos em todas estas situações vexamosas dialogavam culturalmente, espécie de "troca de bens simbólicos". A falta de jeito para manobrar a cultura - e transformá-la? - está nos matando, a "nós" e a "eles";

3. Daí se pode extrair que ser brasileiro também envolve esta memória da barbárie que teima em nos assombrar, dentro de nós. Abaixo o luso-tropocalismo, abaixo a idéia de democracia racial, abaixo o personalismo e a falsidade no exercício da política. Pequenos Sarneys agrediram Geisy, pequenos Sarneys invadiram o lançamento do livro e pequenos Sarneys lançaram cadeiras sobre os invasores.

Restam o grande Sarney e a grande Uniban - que alguém já disse ser do bicheiro Ivo Noal - ainda sem o devido mau reconhecimento público pelo desfavor que fazem à instituição de uma democracia no país. Que se revelem os Judas a que se referiu o Presidente Lula.

O episódio do Maranhão foi devidamente abafado e atenuado pelo escândalo da Uniban, na mídia direitola. Foi esquecido, ou porque eles sabem no embrólio em que se meteriam, ao tocarem atabalhoadamente num caso tão, literalmente, particular. Quem tem um Rio Grande de Sul, um São Paulo e um Minas Gerais não pode se dar ao luxo da exposição antecipada.

Contudo, no fundo, com suas lições e questões subjacentes, mostram-se, estes dois acontecimentos, igualmente brasileiros. Como igualmente é brasileiro cada ato de corrupção e cada ato de solidariedade que ocorram a partir de qualquer um de nós.

Ficam, para mim, algumas lacunas:

Geisy participou do movimento de abril e o que pensam os pais dos 700 estudantes? (Afinal, o que pensa a Uniban já conhecemos).
E no Maranhão, onde foram parar a mulher de verde, sua amiga e aquelas duas crianças que deviam estar acompanhando seus pais, a tempo de escaparem de um objeto lançado ao ar, capaz de quebrar-lhes um braço ou de lhes partir a cabeça? Ou ainda propiciar um linchamento, sempre excessivo e anti-democrático, onde quer que ocorra e sobre quem quer que seja.