terça-feira, 6 de outubro de 2009

A comentarista econômica

Francamente inspirada nas comentaristas de economia dos telejornais da Rede Globo, a personagem Malu Trindade, interpretada por Camila Morgado, é mais uma das personagens de Manoel Carlos arquetípicas da pequeno-burguesia idolatrada por ele.

Seus comentários, dentre os que eu vi, ora expressavam comentários temor e preocupação sobre a economia dos EUA, ora desconfiança sobre e economia brasileira. Ou seja, aparentemente, esta personagem terá sempre a ambiguidade típica da classe média oportunista, que esconde profundo desprezo pelas realizações do Brasil nos últimos anos. Para além das preferências eleitorais, o que Malu me insinua é a franca indignação diante da irremediável emancipação econômico-cultural do Brasil. Sim, autores como Manoel Carlos perdem muito quando deixam de ter os Estados Unidos como referencial primordial de seus textos.

Não é no Leblon que se ambientam suas novelas, mas numa idéia de Leblon que corresponda e uma possibilidade idílica de Estados Unidos tropical, onde prevalecem o consumismo, a imitação de gestual aristocrático e os dramas familiares ancorados em paixões proibidas ou ultra-adequadas aos padrões baseados na tradição (católica), na família (nuclear patriarcal) e na propriedade (burguesa). Assim como sua bossa nova é menos uma variação do samba do que uma vertente do jazz - presunção que não está de todo errada, diga-se.

Não é para menos que em novelas de Manoel Carlos o homossexualismo masculino não é tratado e o feminino é assumido como desafio social para jovens belas, as quais, na trama e fora dela, apimentam sonhos de homens comuns em busca de prazeres insólitos - no limite da tolerância de Maneco.

No caso de Malu, ela, para além de seu comprometimento com o falido neoliberalismo econômico ocidental, tem uma paixão pelo cunhado, que a obsedia. Contra isso, argumenta que tem uma "imagem a preservar" e que sobrevive desta imagem pública, em detrimento de seu conhecimento específico que, no caso de uma comentarista econômica, deveria ser a base de sua vida profissional.

O adultério é o cúmulo do drama amoroso para Manoel Carlos. Porque, a mulher em sua obra é retratada como dependente da presença masculina, santas vitimizadas se traídas, imorais atormentadas se traidoras. Suas mulheres apaixonadas, que fazem tudo por amor, logo cedo aprendem que viver a vida é basicamente manter seus laços de família. Suas Helenas são escravas dos costumes, atormentadas pelas idas e vindas do interesse sexual de seus parceiros.

Se Manoel Carlos fosse um escritor melhor e mais fluente, talvez conseguisse manter sutilmente escondidas as suas crenças. Contudo, ele sempre opta pelo tom jogralesco que impõe aos atores e pelos discursos moralistas. E, para piorar sua reputação ante mim, ele me coloca uma comentarista econômica que lança pequenas frases de efeito pró-economia liberal. A esta altura do campeonato, Maneco?!

Com um sotaque bem soteropolitano, eu digo a você - extensivo a Malu: 'Se saia!'

2 comentários:

  1. "Se Manoel Carlos fosse um escritor melhor e mais fluente, talvez conseguisse manter sutilmente escondidas as suas crenças."

    eu ja acho diferente, mums.
    acho que qualquer pessoa que tente escrever e manter escondidas as crencas ja nao é bom escritor ja de cara.
    essa simples tentativa ja demonstra a ignorancia para com a linguagem em si.
    é igual jornalista tentar ser neutro.
    pode tentar mas é inutil.

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  2. Em ficção, toda denotação empobrece o texto. Talvez não devam ser escondidas mas, digamos, metaforizadas as crenças, para que os desfechos dos conflitos entre os personagens demonstrem as intenções ideológicas do autor e, assim, ganhe a adesão ou a crítica do espectador. Quis dizer que Maneco não sabe ser discreto, sabe apenas ser denotativo e direto demais o que, para mim, desmancha as possibilidades de tornar seu texto ficcional em algo mais rico do que mera demarcação de terreno ideológico.

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