quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A Senhora do telejornal


Em relação à série de entrevistas com os presidenciáveis do Jornal Nacional, cumpre ao bom observador, sem ignorar a performance 'programada' do publicitário William Bonner, reparar em como a jornalista Fátima Bernardes assumiu, magistralmente, a personalidade de uma Senhora colonial, ciosa, acima de tudo, em defender seu lar e seu casamento do mau julgamento público e da perda de algum bem financeiramente mensurável.

A 'Senhora', no período colonial brasileiro - e, claro, ao longo de largos anos dos séculos XIX e XX -  deve ser tomada como uma figura central para se entender os arranjos de poder que circundavam a "Casa Grande". A presunção de coadjuvância apenas prejudica a percepção, tanto de seu papel de mediadora informal de conflitos, como de seu exibicionismo consentido durante as confrarias, quase como uma afirmação estética do poderio do marido frente aos demais homens e mulheres.

Trata-se de uma tradição forjada, no Ocidente, pelas cortes germânicas, que as luso-ibéricas importaram sem a mesma sutileza. Certa promiscuidade permeava o uso que se fazia do sexo feminino, nos banquetes e nas reuniões de negócios nas 'novas aristocracias' luso-iberoamericanas. O principal papel da mulher, da Senhora no caso, nunca esteve circunscrito à cozinha, mas sim à comunicação entre os interesses domésticos e os interesses externos, conduzidos fora da casa pelo marido.

Trazer os negócios à casa fazia com que a mulher interferisse nas negociações e nos processos. Nos encontros e bailes, por exemplo, o machismo era assumido pela esposa, que caminhava entre os homens com desenvoltura, deixando para trás o perfume da casa e explicitando, a seu modo, ou ao modo que se esperava dela, quais eram as vontades do homem que, por trás, a comandava.

No século XXI, entretanto, ainda se vê algumas mulheres comportarem-se como Senhoras coloniais. Vestidas a caráter, perfumadas e garbosas, deixam-se utilizar pelos homens, cujos desejos escusos, ao final, a elas também interessam.

Em miúdos, a mulher brasileira colonial era, tal qual Fátima Bernardes o é, uma mulher tutelada, cuja performance servia para garantir apenas que fosse feita a vontade de seu dono. Os vídeos a seguir demonstram a repetição desse estado de coisas em pleno Século XXI, na pessoa da Sra. Bonner.

Observemos Fátima Bernardes.



A ordem nesta entrevista era de sabotagem. O marido veio com toda a força, iniciou o debate agressivamente, tentando, emprimeiro lugar, despesonalizar a candidata Dilma. Seguiu, insistente, o seu objetivo de equipará-la a um embuste, chegando a insunuar sê-la "tutelada" pelo presidente Lula. Era preciso imprensá-la e o marido seguia por esta via, interrompendo-a com violência.

Fátima interpelou-a aos 2'45", referindo-se a "muitos críticos" de um tal "temperamento difícil". Repare que, na resposta, Dilma voltou a se defender, visto que, com charme, Fátima quis apenas manter o centro da conversa na desqualificação da candidata. Não há lealdade de gênero nas relações que a Senhora colonial precisa manter com outras mulheres fortes, provenientes de "espaços sociais" distintos do seu. N'alguns casos, o contato era bastante áspero. A tarefa desta Senhora Bonner era justamente desqualificar Dilma em sua feminilidade.

Nos 4'02", ela voltou a usar de eufemismos, até trazer à mesa o termo "maltratar", no que Dilma entrou no âmbito doméstico, e se fez entender pela jornalista. Aos 5'12", o marido começou a tentar contradizer a candidata, para depois sair pela tangente, quando esta lhe 'deu um caldo'.

O marido seguiu reiterando grosseria, animosidade e ignorância. Soou patético, ao carregar o sotaque para se referir aos BRICs.

Fátima reapareceu nos 10'07", numa cena que ficará marcada no jornalismo brasileiro. Ela se voltou ao marido e, com candura, pediu-lhe "só um minutinho", como que lhe impedindo de colocar tudo a perder, com sua evidente e pueril irritação. As Senhoras coloniais continuam servindo muito bem a isso: aplacar os ânimos dos maridos, gerir suas emoções, feito mães.

Passando a mão esquerda pelos cabelos, aos 10'15", Fátima tomou a palavra e encaminhou-se para um precipício argumentativo de onde não conseguiu mais sair.

O casal perdeu este 'negócio' para Dilma, porém Fátima Bernardes cumpriu seu papel: impediu que a conversação descesse ao nível da raiva implacável que seu marido expôs publicamente, ao longo de todo o baile.

Sigamos a dama.



Primeiro, é necessário falar sobre Marina Silva neste evento infeliz para ela. Corajosa e digna, porém pareceu-me ingênua.

Ela figurou num papel que este casal ridiculariza: o da mucama que se envolveu em assunto de patrões. Veja que Fátima já começou interpelando a acreana, se o eleitor se convenceria de que sua candidatura "é pra valer", ou se "serve para marcar posição", esta relativa ao Meio Ambiente.

Um dos mitos sobre as classes pobres mais propalados é a associação de seus representantes políticos com políticas não-econômicas ou, por vezes, economicamente incômodas à aristocracia. Marina tinha como vice o dono da empresa Natura, sobre a qual recaem, inclusive, denúncias de sonegação de impostos. Assim, a pergunta de Fátima pode ser traduzida por: 'acha que meu marido e seus pares se deixarão intimidar por essa sua aventura?'

Aos 02'07", o marido lembrou referiu-se à solidão institucional da candidata. Cinicamente, esqueceu-se da cobrança sobre alianças que fez à Dilma Rousseff na noite anterior. Marina, coitada, não percebeu que os tons de voz e os gestos do casal eram-lhe humilhantes e a lançaram no limbo do descrédito e, nas entrelinhas, equipararam-na à escrava insurgente, à mucama rebelde, que deve ser recolocada em seu lugar de origem.

Ao questionar seu posicionamento ético no "epísódio do Mensalão", o marido quis, desta vez hipocritamente, descredenciar a convidada, amarrá-la e rebaixá-la, num ato análogo a uma surra.

Fátima permaneceu calada, durante o açoite a Marina. Não convém a uma Senhora entromenter-se no castigo de uma escrava de cristas largas.

Então a Senhora, aos 10'16", questiona sobre a falta de eficiência de Marina durante sua gestão no Ministério do Meio Ambiente. A convidada não percebeu o embuste da Senhora que, ao lhe dar o último gole d'água deu-lhe, na verdade, uma mistura forte de vinagre e sal.

Ao longo de 12 minutos, Marina foi usada para atacar seu antigo partido político, cumpriu o script pre-estabelecido pelo casal e saiu machucada do encontro - capturada e surrada, no tronco, conforme o planejamento da Casa Grande.

Até que ocorre a confraria e a Senhora se sente à vontade.



Neste evento, a senhora utilizou de todo o seu charme caricato para encantar o convidado e, assim, tentar contaminar com seu encanto todo o público (tele)presente.

Este foi o encontro dos amigos, para selar a parceria e para congratularem-se. Lá estava a Senhora transitando lânguida, sedutora, entregue aos 'mandos' do convidado ilustre, de modo a cumprir o desejo do marido, qual seja, demonstrar todo apreço da casa por sua presença.

Não há o oferecimento do seu corpo, porém vemos claramente que ela é um presente a ele entregue, com desvelo. A mulher despersonalizada, subjugada por uma mão masculina ao seu lado, a mercê de seus interesses, parcialmente dona de sua vontade, delegada dos direitos do macho, seduz um outro macho, mantendo dele uma distância confortável porém nada discreta. Suscitar a traição somente sublinhariam a parceria firmada entre os dois homens ali presentes.

A esposa, rica, culta e, portanto, aristocrática, tal qual uma mulher colonial das classes altas, em pleno século XXI, ao vivo, para todo o Brasil. Espetáculo ignóbil!

Fátima Bernardes talvez não tenha se atinado para isso, todavia é evidente: 'o império' desta senhora já passou, sua figura feminina não condiz com as aspirações da maioria das mulheres jovens, no Brasil emancipado.

Sobre os convidados à casa dos Bonner, digo apenas: Dilma está no caminho certo, Marina precisa tratar seus complexos de inferioridade e José Serra deve parar de acreditar que a Casa Grande é maior que a praça da cidade que ele finge enxergar.

Um comentário:

  1. Muito boa a análise, parabéns.

    O mesmo vale para a VEJA, que um dia, em um passado distante foi uma ótima revista.

    Isto precisa acabar, ou a globo continuará elgendo "Collor" por um bom tempo.

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