terça-feira, 16 de abril de 2013

Porque Sou Contra a Redução da Maioridade Penal

Eu trabalhei numa 'casa' criada para o cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade por adolescentes infratores, efetivando uma norma do Estatuto da Criança e do Adolescente, em Vitória da Conquista, na Bahia, entre 2009 e 2010. Atuei junto a jovens de 12 a 21 anos, que haviam cometido atos infracionais de média e alta gravidades.

A realidade destes jovens que conheci por meio deste trabalho é-me muito reveladora de como o contexto a que crianças e adolescentes econômica e socialmente vulneráveis estão submetidos sofreu o irreparável impacto da falta de políticas públicas sociais voltadas à infância nos anos de 1980 e 1990, enquanto as grandes cidades se abarrotavam e o tráfico de drogas passava a comandar enormes áreas urbanas, de modo a ser, muitas vezes, o único 'empregador' de famílias inteiras.

Na medida em que este favorecimento pelo tráfico mostrava sua face nefasta, com a morte de irmãos e irmãs precocemente envolvidos pelo crime, as comunidades passavam a se organizar e, especialmente a partir de 2005, com a criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com o aprimoramento do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), com os mais diversos programas de transferência de renda e, mais tardiamente, com o crescente comprometimento dos governos estaduais, responsáveis diretos pela implementação das ações punitivas previstas pelo ECA, o Brasil passou a conhecer o 'pano de fundo' da violência que tem no adolescente pobre e infrator sua primeira vítima e, depois, extrapola pelos bairros de classe média e pelas telas de tv.

A minha experiência no referido trabalho mostrou-me que uma ínfima maioria daqueles jovens eram punidos por homicídios e latrocínio, sendo que, dentre estes, o tráfico era a razão imediata pelo seu envolvimento em atos de tamanha gravidade. Conheci apenas um jovem, meu xará inclusive, com 17 anos que, friamente, confessou 3 latrocínios sem esboçar qualquer arrependimento. Para jovens como este, a justiça sempre teve meios de evitar reincidências, visto que a nossa legislação reconhece institutos que retiram direitos a doentes mentais perigosos.

A grande maioria dos meninos e meninas que chegavam ao Ministério Público e à Vara da Infância e da Adolescência (em Vitória da Conquista, ambos os órgãos já eram especializados) e que, em algum momento, passavam pelo meu conhecimento, estava comprometida pela dependência do crack ou já vinha acometida de sérios transtornos mentais provocados por razões íntimas ou pelo abandono familiar e pela falta de acesso a serviços básicos de saúde e de educação, estes capazes de identificarem o mal e o tratarem correta e precocemente.

A meu ver, nós sequer aplicamos o ECA em sua amplitude e ainda não vencemos a luta contra o tráfico de drogas, no sentido de conseguirmos proteger as crianças de meliantes que as usam para a venda e para outros 'serviços' terríveis associados a ela. Vale lembrar que o crack atualmente avança pelo interior, de modo a se tornar num verdadeiro problema de saúde pública, além de um problema de segurança pública.

É previsível, após o ECA passar a ser implementado como deve ser, a diminuição do número de atendimentos a jovens cometedores de infrações de alta gravidade e, provavelmente, estas condutas criminosas ocorrerão por motivações outras, que não a completa ineficiência estatal para dar conta dos problemas sociais que colocam a droga e o tráfico como alternativas de amadurecimento para tantos dos nossos jovens pobres - e não apenas os pobres, diga-se, embora estes sejam os mais atingidos pelas mazelas de nosso mundo desigual.

Se, por acaso, se conseguir reduzir a maioridade penal antes de as políticas sociais surtirem os seus resultados, teremos, brevemente, a necessidade de nova revisão da lei uma vez que o tráfico alcançaria meninos e meninas cada vez mais jovens.

A redução da maioridade penal não é uma alternativa numa sociedade que há apenas 10 anos vem dando significativas condições para um cuidado efetivo das crianças vitimadas pela exclusão e menos tempo ainda à implementação das medidas socioeducativas do ECA que, dentre outras funções, tem ajudado o Brasil a conhecer o descalabro em que continua a viver parte significativa de nossos jovens, vitimados pela fome, pelo abandono e pelo preconceito.

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