quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A descida da Rainha

(em revisão)

Vê esta pintura? Em meio a bocejos, contrições invejosas e de dor, a Rainha motra-se preparada para o ataque final. Ela própria foi a mensageira da desgraça para o grupo de fanfarrões; foi dizer-lhes que trazia a sentença, que mereceria obter o cetro deste reino perdido, afinal. Pintar uma guerreira que não foge à luta a viver uma experiência de tamanha sobrecarga é uma boa escolha para qualquer artista, embora este não figure lá entre os melhores. O famoso quadro de Antonio retrata a apoteose desse evento, quando a Rainha saudou os presentes e os embaraçou, ao discursar com sarcasmo e elegância, dispondo-lhes um resumo quase cínico de suas razões de combate.


Esta peça retrata a rainha enquanto ouvia a orquestra. Interessa-nos as reações de cada personagem circundante a Ela, impávida em todoo concerto. Há este homem pálido e oleoso ao seu lado, afastando-se Dela o mais que pode. Ele conta com a reciprocidade da Rainha na repulsa. Tem o olhar fixo, o choro contido na boca, travando a feição. Ele engole a própria raiva. Ladear a Rainha é uma missão difícil para esta Torre esquálida, com os músculos diminutos e rígidos de um homem que mente; estar com ela é estar ao lado da negação de sua maior mentira. Ele se contorce, ele tem espasmos interiores, esse homem verte ódio e tem febre. Aproxima-se, na figura, de seu Bispo e a ele parece entregar uma porção de dor. Mais uma dentre tantas: a expressão excessivamente clerical do Bispo nesta feita o denunciava, parecia falsa a empatia... Foi razoavelmente retratado nesta pintura. Não há representação que não o capture nesta particular experiência de auto-comiseração. Devia estar ferido, porque o Silício, insaciável, vinha lhe consumindo até os ossos das pernas. Havia dado então, este Bisdo, a dormir sobressaltado pelo medo de apnéias fatais e de traições. Sentia-se cercado por inimigos, somente o Silício o confortava e o libertava da culpa de ser ele um dos pilares de toda iniquidade à sua volta. Jesus o perdoe!


Sobreviveram todos, apesar da altivez da Rainha e desses apliques bordados pretos em Seu casaco, que a mim pareceram correntes a pesar sobre Ela, todavia, talvez indiquem um colete que armaduraria Sua vestimenta, adequando-a para o Seu encontro com os agentes nefastos da mentira. Enfim, somente uma peça de má alfaiataria - a Rainha perdia mais uma chance de falar com a roupa, talento que ficou gravado à sua biografia. Interessante também nesta figura é estar, entre Ela e o pústula, na fila atrás da Sua, um tal capanga, um faz tudo, o mesmo que, então, administrava os percalços judiciais das famílias anfitriãs. Este homem que sabe demais, a depender do que faça com estes conhecimentos, pode entrar para a história como um bravo, um borra-botas, ou um traidor. Não gosto dele pelo descuido da gravata frouxa, em contraste com a do seu congênere, corretíssima ao pescoço de um cavalheiro corajoso que parece vigiar sua líder, em detrimento de seu próprio garbo. Homem que cuida de protegê-la, bem como a sua própria honra, tantas vezes caçada pela matilha desesperada que A recebia, a Ela e a Seus aliados diletos, em seu território, a contragosto.


À história este olhar altivo, o Dela, inclusive o desta pintura! É este olhar que valoriza o quadro. Poucos conseguem expressar traços mais sutis num semblante tão reto. Nesta ocasião, Ela se comportou como uma atriz, não mediu discrição para singir e comunicar simbolismos e com estes seguiu derrubando, um a um, os seus adversários, até alcançar-lhes o rei e deferir sobre ele o golpe cabal. Traçou para Si uma inacreditável manobra política, que bem poderia ser concebida para o teatro. Ela, a heroína, transitando entre eles, erguida, magnânima, ciente de Sua vitória e de Sua missão imediata: sinalizar-lhes que é justa Sua conquista e que, ali, Ela se posicionava frente aos Seus acusadores para, com este gesto, nesta inesperada visita, equacionar o tabuleiro e derrubar a torre - com o Seu Rei, que a aguardava, a postos. Enfim, Xeque Mate - venceram a última batalha. Refez-se o cenário. Organizaram-se os antigos atores em novos destinos. Ela os viu a definhar ao longe, dona da história.

2 comentários:

  1. Me parece ser este o jogo político que ora assistimos.
    Maria Regina

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  2. Murilo:

    Vc convidou Edu, do Cidadania, e eu peguei uma carona.
    Gostei e muito, seu jogo é legal. Parabéns.

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