Eu sinto pena de Marina Silva. Não por ela me parecer uma pessoa um tanto frágil, com o corpinho sempre a pedir repouso. Veja-a na capa da Istoé, acolhendo-se em suas mãos, indefesa, vestida com pulover de lã, em nosso "país tropical". Tadinha, parece febril. Contudo não é por isso que sinto pena, porque sei que ela é amada e terá sempre alguém a lhe cuidar com desvelo e, neste planeta, isso é mais do que precisamos.
Também não sinto pena de Marina por sua conversão ao pentecostalismo ultraconservador e de leitura restritiva da Bíblia, que tende a acreditar em cada vírgula do livro sagrado, desconsiderando o que ali houver de metafórico acerca da existência humana e seus conflitos subjetivos.
Não é por ela hoje acreditar na Bíbila como um compêndio de lutas do bem contra o mal e de normativas moralizantes adaptáveis à nossa época, mesmo sabendo que, como toda literatura, a Bíblia ancora-se em determinados contextos históricos e deve ser lido sob o filtro da cultura, sem que isso precise lhe extrair o mínimo de força simbólica. Não é por esta conversão que, para mim, torna-a alheia a cada verso de Augusto dos Anjos, ou mesmo a muitas das estrofes 'espiritualizantes' compostas por Gilberto Gil, que eu sinto pena de Marina Silva.
Eu sinto pena por Marina não se perceber vitimada por uma dessas insuspeitas articulações entre "bem-intencionados" e "ególatras corruptíveis", que costumam tornar os eventos políticos em festas cool, ao gosto de nossas elites "bem-informadas".
Marina é usada por todos os que se arvoram em negar a capacidade que a ignominiosa facção à direita de nossa política tem de, utilizando seu remanscente potencial eleitoral, atrair para si antigos "esquerdistas" que, insulflados pelo próprio ego, entregam de bandeja seus princípios, em troca de uma fatiazinha a mais num bolo que ainda imaginam fofo sobre a mesa.
Sinto pena de Marina Silva justamente por ela não perceber o quão refenizado se torna um partido da minimidade do PV diante destas investidas. Penso que, para setores tão agregados a propostas progressistas, especialmente o PV, ancorado nas causas ambientais, tornar-se em algum momento aliado de um DEM, por exemplo, é o mesmo que cuspir em sua história de lutas e esboçar um destino em que as personalidades que o compõem se verão sempre obrigadas a se contradizerem e a esmiuçarem argumentos toscos que lhes permitam justificar o ninho de ratos em que estarão metidos.
Desde que, no Rio, o PV inaugurou uma era de traição de princípios, aliando-se à direita nas eleições de 2002, se não me falha a memória, que eu conclui ser aquele o começo do fim do partido. Uma coisa é, num estado de menor relevância, aliarem-se dois grandes partidos antagônicos, numa manobra fisio-pragmática que, embora os manche em seus capitais políticos, não os impede de sairem ilesos, amparados pelo personalismo ainda presente em nosso debate político. Outra coisa muito diferente é um pequeno partido, ancorado na figura de uma personalidade que o representa, abrir-se ao inimigo, imaginando que esta personalidade terá meios de sozinha driblar os interesses escusos de um grupo de figurões da direita.
Ainda mais se esta personalidade verde for o controverso Gabeira. Alguém pode me dizer se existe no Brasil figuira menos confiável que este senhor? Com seus arroubos de vaidade e sua empáfia garbosa, este homem envergonha a política nacional, exatamente porque seus ternos bem cortados de hoje representam a perfeita evolução de sua tanga de crochê de outrora, mostrando que por trás de suas "lutas" esconde-se um pequeno-burguês vazio de verdadeiro comprometimento para com as causas que diz defender.
Sinto pena de Marina Silva por ter que dividir com José Serra alguns minutos na televisão, no Rio de Janeiro. Sinto pena dela por, em um eventual segundo turno ter, ou que ficar em cima do muro, ou ter que optar por apoiar ou ser apoiada por um candidato que está rodeado pelo que há de mais sórdido em nosso cenário político, grupo que não exitaria um segundo antes de mandar derrubar a amazônia e matar índios, se isso o ajudasse no acúmulo de mais alguns centavos.
Sinto pena de Marina Silva por ela ter que, em algum momento, definir-se finalmente. Ela é uma evangélica reacionária ou uma ambientalista, no que este termo tem de contraditório com as bases de sua "fé"?
Sinto pena de Marina Silva por, na Bahia, apoiar um Bassuma que, por meio da 'esperteza' de algum marketeiro, espalhou pelo estado um adesivo em que se lê "Assuma o verde", numa alusão ao seu nome, mas que, pelas graças da semiótica, pode retornar a ele mesmo, como que conclamando: "assuma-se, Bassuma, e 'se saia'!".
Assuma que seu posicionamento é incompatível com a luta por um desenvolvimento ambientalmente saudável, que perpasse a elevação, à categoria de Direitos, de certas prerrogativas sobre o corpo, sob o risco de, salvando árvores e baleias, deixarmos morrer à míngua milhares de moças de 14 anos, desesperadas por não poderem assumir uma gravidez.
A Política não é o campo da Moral, mas o meio pelo qual as diferentes morais possam se entender, sem se machucarem nas jugulares programáticas. Assim, mesmo sendo eu também contrário à prática do aborto, como político devo compreender que se trata de um problema de saúde pública e que se deve, sem hipocrisias, torná-lo num programa de respeito ao direito feminino de interromper uma gravidez, sob determinadas circunstâncias.
A Deus, o que é de Deus; aos humanos, a capacidade de pacificação. Que verde é esse que insufla a dúvida e a discórdia?! Assuma, Bassuma. Que pena de Marina!
Ela não deveria ter saído do PT e, quando o fez, demonstrou agir motivada por um sentimento igualmente incompatível ao seu discurso: a vaidade. Marina saiu do PT por descobrir que ela não seria a primeira mulher presidente da república. Não a culpo por seu ressentimento, afinal ela tem muitos dos requisitos, exceto dois, sumamente importantes: capacidade de diálogo e compreensão sistêmica dos interesses em jogo.
Ao optar pelo PV, clareou-se mais a sua motivação: garantia da sua tão ansiada candidatura. Entretanto, logo se percebe que a sendora se meteu num imbróglio: caso fosse eleita, teria, então, que renunciar à presidência, visto que as condições de melhorias interpostas ao Brasil implicam a busca de soluções conjuntas, as quais ela foi-se mostrando cada vez menos apta a facilitar, quando Ministra?
Sinto pena de Marina por esta contradição a que conscientemente entregou sua biografia e por hoje ter que mentir para tentar ganhar espaço no gritinho.
E, finalmente, pergunto-me: o que faz com que artistas, homossexuais e mulheres declarem seu voto em Marina Silva? Anti-fisiologismo? Mas, e a situação no Rio e os desdobramentos em nível nacional que ela sinaliza? Seria por conta do discurso ambiental? Mas, e as contradições na proposta, que parecem utópicas a ponto de contrariarem a tendência de aumento nos investimentos em infra-estrutura?
Seria, então, por um suposto prestígio à cultura nacional? Ora, as suas concepções religiosas não tornam Marina vulneráveis ao retrógrado, inclusive no campo das ciências, ou direito e ciência não são parte da cultura? Bom, seria mesmo as posturas conservadoras denunciando que, na verdade, nossos 'mudernos' são tão progressistas quanto Regina Duarte?! Sinal dos tempos....
Eu, enquanto me pergunto, espero pelos dias que virão. No fundo, há apenas dois discursos coerentes na disputa: o de Dilma e o de Plínio. Se não votarmos em Dilma, pode ser porque o PMDB está ali pertinho, ou por isso e aquilo, agora, por que não votarmos em Plínio? Será porque ele não é lá tão bonitinho?! É, vai ver seja isso.
Marina é ótima para a foto e melhor ainda para o travesseiro de quem se encanta com os sinais do avanço econômico, social e político brasileiro, mas que não quer sujar as mãos elegendo Temer para vice presidente. Concordo que não seja fácil fazê-lo. Porém, analisando os dados, vejo ser infinitamente pior entregar uma grama a mais de poder nas mãos de quem hoje tem rodeado a Sra. Marina Silva, inclusive seu vice. Pena, porque gosto dela. Pena, mil vezes pena. Contudo, tudo indica que assim o quis o Deus dela. Então, que assim o seja.
"pequeno partido, ancorado na figura de uma personalidade que o representa"
ResponderExcluirMostrou na hora que você não conhece o Partido que você quer criticar! O Partido Verde não é só Gabeira! Aqui no Estado de São Paulo elegemos 8 deputados estaduais em 2006, quarta maior força política da ALESP!
Caro João, obrigado pela sua participação em meu blog.
ResponderExcluirEu referia-me à situação no Rio, onde o PV se dobrou a forças bastante retrógradas. Ainda n aconteceu isso aqui, na Bahia, tampouco em outros estados. Contudo, alguns dos deputados baianos verdes, eleitos em 2006, já se encontram envolvidos em situações pouco aconselháveis, em aprceria com figurões de atuação questionável, inclusive do PMDB.
É um partido pequeno e com princípios, que deveria, sim, cuidar melhor de suas bancadas, sob o risco de vê-las crescer envergonhando suas próprias bases políticas. Contudo, o PV já deixou de ser um baluarte de esperança de renovação política brasileira para se tornar, em alguns estados, como no Rio de Janeiro, partido de aluguel de pútridas oligarquias.