quinta-feira, 25 de julho de 2013

A culpa é da Dilma


Eu, hoje, estava à porta de casa com duas vizinhas, ambas na faixa dos sessenta anos, uma delas enviuvou-se recentemente. A conversa enveredou-se para uma descrição detalhada do comportamento do falecido diante das dificuldades da vida: segundo ela, ele foi um homem de pouca iniciativa. Por termos uma relação de longa data, sei que ambas são entusiastas dos governos Lula e Dilma, porém, tendo em vista a inação característica do homem, a outra comentou: "hoje, numa crise dessas, se a pessoa não tiver disposição para o trabalho, não sei não, viu?!"
Neste momento, achei de bom tom não me embrenhar por um debate sobre a tal "crise", porém, olhando para a sua casa recém reformada, com móveis novos, não pude deixar de me perguntar: onde esta mulher achou uma crise? A resposta, mais que óbvia: na Rede Globo.
No interior da Bahia, pelas minhas incursões em pequenas cidades, percebo que a grande maioria das pessoas informam-se, quase exclusivamente, por meio dos telejornais da Globo. Ontem, por exemplo, num restaurante, comentando sobre o papa, um representante comercial -versão atual dos antigos caixeiros viajantes - ressaltou a humildade do pontífice. Eu o interpelei: também, com a Globo dia e noite dizendo que ele é humilde e generoso, fica difícil acreditar em outra coisa. Ele me respondeu, sorrindo: "é verdade, a Globo chateia, mas o homem é simples mesmo". Ou seja, com ressalvas, a Globo está certa, porque as imagens não mentem e o papa acena, beija criancinhas, sorri, usa carro comum etc etc etc.
E, na falta de imagens, opiniões. Eu posso atestar, também a partir de minhas observações, que o jornalismo opinativo da Globo cumpre uma função pedagógica impressionante e que, diante desta ação deliberada, o governo federal pouco tem feito para neutralizar sua influência. O resultado é que a sensação de crise passou a incorporar o vocabulário de uma simples senhora baiana e já lhe faz desconfiar de que o governo Dilma é ruim e, ao contrário do papa, a presidenta não está conseguindo atender ao povo.
Isto, obviamente, repercute em seus atuais índices de avaliação popular. Sem dúvida, problemas internos do seu governo favorecem a esta queda de popularidade, quase todos eles relacionados com a comunicação, seja ela relativa ao ministério das Comunicações, seja interinstitucional, referente ao contato com o congresso e com os movimentos sociais, ou social, porque Dilma não deve ter uma assessoria nesta área ou, se a possui, ela é de uma incompetência absurda - hipótese esta mais provável.
Com isto, quero dizer que o governo Dilma, que não é perfeito, não consegue deixar claras as suas razões para determinados atos impopulares, nem divulgar eficazmente seus sucessos. A chamada grande mídia acaba por servir ao governo como uma espécie de assessoria de imprensa, na medida em que a presidenta tem optado por se comunicar conosco quase exclusivamente por meio de seus discursos em eventos oficiais, o que a deixa completamente à mercê das mesas de edição jornalísticas e, por conseguinte, da política editorial de veículos que querem vê-la pelas costas.
Com uma estratégia de comunicação social bem engendrada às ações governamentais bem sucedidas, seus problemas se reduziriam à metade.
Porém, resta concordar com os movimentos pelos direitos humanos e sociais, 'no que se refere' às articulações absolutamente deploráveis da presidência com setores fundamentalistas e ruralistas do congresso, combinadas a uma completa falta de interlocução com as representações daqueles movimentos populares. Na internet, este afastamento mostra o seu resultado mais nefasto para o PT, com as vozes e as lutas populares misturadas aos gritos mal intencionados dos articulistas preferenciais dos velhos jornalões e das redes de televisão oligárquicas. Um estudo dá conta deste fenômeno peculiar e que ainda exige melhores estudos e interpretações.
A Revista Fórum publicou, no último dia 23, um levantamento feito pela empresa de estudos cibernéticos, Interagentes, em parceria com a Publisher Brasil em Análise e Monitoramento de Redes, que considerou as postagens das "maiores autoridades no Facebook e no Twitter, aqueles perfis ou páginas que têm mais compartilhamentos, e mostra os 10 principais críticos e os 10 que mais apoiam o governo".
Este interessante estudo fez buscas em ambas as redes sociais entre os dias 11 e 16 de julho e conseguiu gerar gráficos que demonstram de onde partem as mensagens de ataque ao governo Dilma. Gostaria de ressaltar, neste breve texto, a força dos atores pautados nas defesas das minorias, que vêm se posicionando contrariamente ao governo.
As críticas advindas destes grupo e indivíduos são contundentes e, muitas das 'autoridades' citadas pelo estudo tem ação partidária direta, seja como políticos ou articulistas de blogs ligados a partidos políticos. A mim, que frequento as redes em questão e conheço bem cada um dos perfis (exceto o do deputado Jean Wyllys, que me bloqueou no twitter, durante uma divergência entre mim e ele), posso dizer que eles cumprem ação político-eleitoral e assumem oposição ferrenha ao governo federal, muitos proferindo sentenças que equiparam as ações governamentais a genocídios, especialmente nos casos dos indígenas e dos LGBTT.
Eu, diante da inabilidade do governo em responder a estas acusações, e pela sua completa ausência das referidas redes, sempre achei muito bom os ataques e, na medida da razoabilidade de alguns deles, ajudei a repercuti-los.
Porém, nunca deixei de me perguntar: as ações dos veículos de imprensa, especialmente da Globo, somadas às dos ativistas, ajudam a cristalizar aquela sensação de "crise" e de desastre governamental de Dilma? A resposta é sim. Em algumas situações, ambos os segmentos se encontram, como nos casos em que o Deputado Jean compareceu a programas jornalísticos, como o de Fátima Bernardes e o CQC. Este deputado, a meu ver, em seus perfis, não consegue demarcar os limites entre sua necessidade de ser iluminado por holofotes e as suas ações parlamentares estritas. O mesmo ocorre com muitos outros perfis individuais, em proporções diversas às do deputado.
Não são poucas as manifestações de seguidores meus, especialmente no Facebook, que repercutem os argumentos dos ativistas, como também não é irrelevante a articulação destes aos manifestantes que tomaram as ruas em junho. A legitimidade inicial destas movimentações, flagrantemente, após as primeiras ocupações das ruas, passou a ser utilizada pelos telejornais, seja na criminalização dos chamados "vândalos", seja na repercussão das causas populares difusas que os interpunham ao governo Dilma.
Tem-se por conseguinte uma estratégia inteligentíssima dos veículos de imprensa, que publicizam as aparições públicas da presidenta no dia em que ocorrem e, nos dias seguintes, incessantemente, produzem reportagens opinativas sobre os temas subjacentes à agenda presidencial, de modo a negá-la, sempre com o aval de "especialistas" e comentaristas. Assim, Dilma passa a ser apenas alvo e, mais uma vez, sua frágil estratégia de comunicação a torna refém dos mesmos veículos que a querem pelas costas, mantendo-a em posição defensiva permanente.
Enquanto isso, sua ausência das redes sociais online a faz sucumbir aos ataques dos movimentos sociais que, articulados e indignados, fazem jorrar denúncias contundentes, com dados e opiniões que, muito mais embasadas que aquelas televisionadas, ajudam a confirmar, entre jovens e demais conectados ao twitter e ao facebook, a  sensação de governo inábil e entregue às oligarquias e aos reacionários.
Ainda resta lembrar que esta ação ocorre desde, pelo menos, 2004, no caso da grande mídia, e com mais ênfase desde o início do governo Dilma, no que toca aos ativistas sociais. De lá para cá, pelo menos dois 'eleitores privilegiados' nasceram, Joaquim Barbosa e o Papa Bergoglio, os quais, embora não estejam articulados aos ativistas online, somam-se, no imaginário popular, aos defensores da nova política e dos interesses populares.
Formou-se uma barreira, a meu ver dificilmente transponível, que coloca, num mesmo caldeirão crítico ao governo, Eliane Cantanhede, Dora Kramer, papa Bergoglio Joaquim Barbosa, Marina Silva, @Tsavkko, @jeanwyllys_real, @cfp_psicologia, @CimiNacional, entre outros. Esta mistura nonsense deve-se ao governo, na medida em que ele não tem sido capaz de dialogar com uns e combater outros.
Porque uns precisam compreender a necessidade de amealhar capital político, por meio da eleição de representantes ligados aos movimentos de que fazem parte, afinal, qualquer governo acaba por ceder aos interesses daqueles grupos organizados que lhe apresentam maior número de eleitores, como garantia para o seu lobby parlamentar. Em relação aos outros, é preciso que se tenha sempre prontas as respostas às suas tresloucadas interpretações da realidade. São eles que plantam a confusão e acabam por convencer a minha vizinha de que vivemos crises política e econômica sem precedentes. Depois deles, são as legítimas palavras de ordem dos ativistas que ajudam a delinear o discurso anti-governista.
Outros problemas de ordem política mais geral nascem desta mesma circunstância, como a criminalização dos partidos políticos e das organizações da sociedade, a desconfiança nas instituições democráticas e a supremacia do Poder Judiciário, uma vez que PSOListas e DEMistas, por exemplo, têm recorrido juntos ao Supremo Tribunal Federal contra os desmandos do governo.
Penso que a culpa seja mesmo do governo Dilma, que não soube compensar sua falta de "carisma" com uma boa estratégia de comunicação e, pelo contrário, optou por aprofundar o estado de dependência do seu governo frente às empresas de telecomunicação, por meio da débil atuação do Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo e da sua Secretária de Comunicação, a jornalista Helena Chagas. Isto, sem falar na incompetência de Ideli Salvati e Gleisi Hoffman e na apatia idiotizante de um José Eduardo Cardozo.
Tudo isto nos leva a ultrapassar um período histórico obscuro, porém nem todos os brasileiros e brasileiros o vêem e sentem assim. Ele é obscuro para nós, que ficamos à mercê da confusão e da histeria. Para os que ainda não conhecem possíveis representantes legislativos de seus interesses, enquanto evangélicos e agro-negociantes conhecem pelo menos 100, cada um.
Obscuro, para aquela minha vizinha que, ainda que esteja com a casa renovada, desconfia que a inflação bateu outro recorde histórico, que a corrupção está entranhada no PT e que o desemprego assola nossa juventude. Ainda mais agora, com o Papa Bergoglio conclamando a todos a terem esperança e a mudar. Sem ouvir a voz de Dilma na mesma intensidade, a mim só resta dizer: bem feito!

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