O sentimento que impele esta escolha pela candidata do PV é o de evitar o voto em políticos corruptos, ou de protestar contra o clientelismo e a presença de oligarquias nos postos de mando da República. Acho este sentimento bastante nobre, contudo não posso deixar de notar que ele revela dois traços marcantes no comportamento desta parcela da população: a despolitização e a negação das mazelas da brasilidade.Percebo claramente uma superficialização do argumento de escolha do voto. Para isso, as manchetes alarmistas dos jornais e telejornais dos grupos Folha, Estado, Abril, Bandeirantes e Globo ajudam bastante. Marina Silva, por sua vez, sabendo disso, repete-as em suas manifestações, sublinhando frases feitas sob medida para sensibilizar este público mediano. Por outro lado, ao atentar levemente contra o candidato José Serra, de modo a não identificar sua posição com a direita mais raivosa que explicitamente o cerca, a candidata verde cria uma cortina de fumaça sobre os políticos retrógrados que a ladeiam e que têm grande interesse em uma eleição desfavorável a Dilma, seja ela qual for.
Marina se locupleta da tática do medo, com a diferença de que esse medo que ela incita é um medo verde, cercado por um discurso genérico sobre temas nacionais, como se eles fossem problemas de governo. E aí Marina atua de modo bastante reprovável, porque nega a sua história administrativa, igualmente marcada, tanto por casos de corrupção, como de sucesso na execução de políticas públicas superadoras de problemas nacionais graves. O que nos leva a concluir que Marina, matreiramente, tenta enganar seu eleitor. E parece que vem conseguindo.
Então, chegamos ao segundo traço do comportamento classemediano que surfa na onda verde: a negação das mazelas da brasilidade.
Vejamos este vídeo em que Dilma rebateu Marina, num questionamento sobre corrupção "tão perto do presidente":
O clientelismo e o patrimonialismo são males que se conformaram ao modo brasileiro de fazer política. O combate a isso não pode passar pela negação deles, mas pelo enfrentamento. É cínico Marina evitar falar que o seu partido, o PV, é tão ou mais comprometido com as oligarquias que qualquer outro. Talvez mais, uma vez que, em diversos casos, especialmente no Rio e em São Paulo, o PV está organicamente ligado a casos sérios de corrupção. Enquanto partido pequeno, o PV refenizou-se aos grandes (DEM e PSDB, diga-se), aproveitando-se das benesses do clientelismo, contaminando-se na essência por este modo de fazer política.
Assim, é falsa a impressão de que Marina representa algum sopro de novidade no que diz respeito a uma política governamental limpa de práticas que ainda hoje nos enoja. E mais, tendo em vista os interesses econômicos e políticos que a rodeiam nestas eleições, sou levado a crer que Marina é, depois de Serra, a candidata mais suscetível à ocorrência de corrupção grave no governo.
E ainda temos o fato de que, em entrevistas e debates, Marina tem feito o desfavor de anunciar promessas pouco factíveis, enroladas num discurso professoral e bem intencionado. Ela generaliza bordões ambientais, de modo a negar ou minimizar os avanços dos últimos anos no combate ao desmatamento, no alcance das metas do milênio da ONU e no aumento de obras de saneamento - para citar causas ambientalmente relevantes. Marina apresenta uma postura obtusa neste sentido, até um tanto rancorosa.
A propósito do rancor, eu entranhei bastante sua saída do PT. As razões dadas por ela faziam algum sentido, porém não me convenceram, porque coincidiram com o aumento dos boatos acerca da escolha de Lula e do PT por Dilma, para as eleições de 2010. Sim, desde 2007, já circulavam boatos neste sentido. Ao sair do PT e migrar para o PV, com a garantia de sua candidatura à Presidência, Marina evidenciou a mim e a uma porção de outros observadores de política, que sua atitude foi, antes, motivada por ressentimento, vaidade e rancor, e não por uma razão atrelada à moralização da política brasileira.
Marina colocou-se, nestas eleições, numa encruzilhada política que ameaça manchar a sua reputação, tão integramente conquistada ao longo dos anos. A "onda verde" favorece a Serra, com a possibilidade de um segundo turno. Ao afagar Marina, a mídia a instrumentaliza com argumentos escandalosamente enviezados na mentira e na falta de provas.
Ao repeti-los com um discurso rebuscado e generalizante, Marina acaba por convencer pessoas jovens e suscetíveis, que não gostam de levar uma reflexão política complexa até o fim, ao tempo em que preferem acreditar que as mazelas de nossa identidade nacional nada têm a ver com elas.
