Falar sobre cinema, como brasileiro, enche-me de certa angústia, porque eu não consigo aceitar a nossa situação periférica no que diz respeito à produção cinematográfica. Com raras exceções, inclusive com a honrosa presença de um meu conterrâneo Glauber, a quem devemos os princípios pelos quais se regem os melhores projetos de cinema da atualidade, a nossa tradição cinematográfica é, ou obscurecida por um oportunismo irresponsável de cineastas amadores, que resulta na produção de filmes sem a mínima qualidade técnica ou dramatúrgica, ou no lançamento de filmes capengas, oriundos de olhares e de mãos hipnotizadas por um padrão audiovisual extremamente comprometido pelo ritmo e superficialidade televisivos.

Porque não basta comprometer o filme com uma "questão social", ou com a exposição de uma tal concepção pessoal sobre "o social". Ele, o filme, há que propiciar a vivência de um drama através da tela, para que seja arte e verdadeiramente arrebate quem o assiste. O fime não precisa embrulhar estômagos, submergindo-se na percepção da 'maldade' na vida de um pobre negro cooptado pela criminalidade, nem de um travesti que enfrenta o status quo à faca, da prostituta fodida e mal paga, ou do adolescente rico sem eiras ou beiras morais que estupra, mata e está nem aí para a vida alheia. Tudo isso em cinema, diria José Louzeiro, é peripécia.
Ação dramática implica a tradução poética de uma situação que pode ou não ter relevância no embate de idéias políticas. A grande dificuldade para um roteirista é expressar uma fala sem que ela pareça um discurso, que soe corriqueira e, ainda assim, cheia de simbolismos pungentes. Caso contrário, a opção por personagens embaraçosamente tristes ou aviltantes, deixa de ser um estilo para ocupar, equivocadamente, o lugar do gênero cinematográfico.
Filmes como Patrik 1,5 despertam-me esse sentimento crítico para com o nosso cinema exatamente por me arrebatarem pela simplicidade coerente, pelo respeito à integralidade dos personagens. Preste atenção a esta sequência (com legendas em espanhol):
Pronto, não preciso dizer a você que o filme trata da superação de preconceitos. Não preciso dizer que o casal gay está presente, não para se ouvir subliminarmente a esta presença um coro, "oh, são gays equerem adotar uma criança", ou um "oh, um jovem bandido, retroalimentando um sistema miserável e vil", em relação ao Patrik "delinquente". Não, trata-se de um filme sobre alterar um modo de se ver a vida e de sa viver. Um modo de se perceber as memórias, os traumas, as frustrações, as perdas e de ultrapassá-los. Os personagens estão ali por serem arquetípicos, complementam-se para contarem uma história singela, porem repleta de interseções com as histórias de vida dos homens e mulheres que o assistiram comigo naquela noite de sábado.
O cinema não é um divã de diretores presunçosos, nem lhes deve servir como alento a seus egos insaciáveis. Todo maniqueísmo é pernicioso à arte. Toda vaidade embota o talento. Em Patrik 1,5, cada detalhe é leal ao conjunto da trama. Não há uma tentativa de algo ou alguém parecer maior que os desejos dos personagens; desejos estes que se cruzam o tempo inteiro, fazendo os protagonistas solucionarem uma equação complicada por inúmeras variáveis, pelos embaraços provocados pela cultura que cerca a cada um de nós, personagens na tela e cidadãos presentes à sala de cinema.
Em filmes brasileiros, poucas vezes isso acontece. Poderei eu ousar dizer que nunca ocorrem? Não quero ser injusto, por isso admitirei o 'poucas vezes', como para atenuar meu ressentimento. Se pegarmos os mais recentes sucessos de bilheteria nacionais, poupadas as comédias as quais eu não vi e portanto não tenho o que falar, temos filmes sobre a bandidagem, sobre a face escura (negra,sim) do Brasil pobre e racializado, em tramas hipocritamente engendradas para que o brasileiro médio continue a acreditar que a vítima histórica da desigualdade é, na verdade, a culpada pela própria mazela.
A inversão da identidade étnica num filme-referência da produção nacional dos anos 00, "Cidade de Deus", é uma das evidências disso que digo. Baseado em uma etnografia, o diretor optou por retratar negro o personagem sanguinário que, na história real, era branco. Por que será?

Assim, eu retorno à pergunta inicial: um filme deve ser feito de abnegação e simplicidade. Uma boa história é maior e mais importante do que um posicionamento subjetivamente considerado edificante - via de regra estas atitudes de soberba acabam por expressar ignomínia e preconceito, comprometendo a obra esteticamente. Uma lição que a maior parte dos deslumbrados diretores brasileiros precisam aprender, antes de quererem as glórias de serem considerados deslumbrantes.
para fazer o download do filme com legendas emprotugues:
ResponderExcluirhttp://www.megaupload.com/?d=IA3OWT70
Parece interesante o filme... to fazendo o download...
ResponderExcluir:D